Quarta-feira, 02.12.09

Estou de baixa e fui despedido.


Mas talvez a coisa mude se as pessoas souberem que é possível sermos despedidos mesmo que gravemente doentes!

 

Recapitulando:


Quando se tornou público que o meu nome integrava uma lista de profissionais do Rádio Clube alvo de um despedimento colectivo, todos me diziam: “Impossível! Estás de baixa ninguém te pode despedir!” Mas a verdade é que podem, e os meus empregadores, goste-se, ou não, fizeram tudo dentro da Lei
 

Não é fácil passarmos por uma situação destas. É tudo legal, e não deixa de ser muito injusto. Mas no meu caso, seria igualmente grave eu não por de lado a angústia. Sendo jornalista, confrontando-me com a ideia de que afinal estamos perante um terrível engano, pedi ao Professor Garcia Pereira para me ajudar a fazer alguma luz sobre este tema, na convicção de que haverá colegas meus que o aprofundem,  desfaçam o engano, e esclareçam os portugueses.
 

Aqui fica o desafio…
 

Pedro Beça Múrias:  Afinal é possível despedir alguém que está de baixa! No entanto a maioria das pessoas pensa o contrário!
 

António Garcia Pereira: Na verdade, durante muito tempo era usual dizer-se que se alguém estava de baixa não podia ser despedido. Mas o facto é que isso era mais uma prática, ou até a imposição de algum normativo da Contratação Colectiva, do que uma solução da Lei, nos termos da qual essa impossibilidade de despedimento nunca esteve prevista.
 

PBM: É quase um mito urbano, então!  “Estou de baixa ninguém me despede!” De onde pensa que terá surgido essa ideia tão generalizada e tão profundamente instalada nas nossas cabeças?


António Garcia Pereira: Creio que esse ponto de vista terá decorrido da circunstância ou de a baixa ser prolongada (mais de 30 dias) e se entender que, estando o contrato suspenso, o empregador ficaria impossibilitado de exercer o poder disciplinar (o que, correspondendo à Justiça e ao bom senso, não encontra todavia eco no regime legal), ou de a situação de doença ser de tal maneira grave que o trabalhador fica impossibilitado de se defender ou de se pronunciar adequadamente (e aí, parte da doutrina tem considerado que não é legítimo confrontar o mesmo trabalhador com o decurso de prazos que podem ter consequências muito relevantes para a respectiva relação de trabalho).
 

PBM: O que terá acontecido à Justiça e ao bom senso, que evitavam estes casos?
 

António Garcia Pereira : Vivemos outros tempos. Os Tribunais agora até já entendem que nem uma crise cardíaca gravíssima nem sequer a morte do Advogado constituído por um determinado cidadão faz suspender a instância do respectivo processo, já praticamente tudo é possível. Ou seja, temos julgadores ao mesmo nível dos empregadores que actuam como o seu!


Agora, e como é óbvio, seja qual for a solução jurídico-formal que se perfilhe, promover o despedimento de alguém que se encontra doente, e sobretudo gravemente doente, constitui um acto inqualificável que em qualquer sociedade minimamente civilizada deveria suscitar a crítica e o repúdio unânimes. 
 

PBM: No meu caso que foi mais ou menos público, ainda houve quem escrevesse ao Cebrian, o CEO da PRISA, dona da Media Capital.  Mas recebi mensagens de muitas pessoas dizendo-me que lhes tinha acontecido algo de muito semelhante.
 

António Garcia Pereira : A questão é que entre nós se vem assistindo, muito em particular na área das relações de trabalho, a uma crescente "banalização do mal", de que a indiferença e as indemnizações provocatoriamente miserabilistas que os nossos Tribunais de Trabalho habitualmente fixam nos casos, mesmo nos mais graves, de puro e duro assédio moral constituem um tão lamentável quanto significativo exemplo. Mas não nos calaremos nunca perante essas manifestações de autêntica barbárie.

 

Até porque, como dizia Martin Luther King, "O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons"...
 

PBM



publicado por Novas Crónicas da Sala de Espera às 11:00 | link do post | comentar | ver comentários (3) | favorito

Quarta-feira, 25.03.09
É noite dentro, estou deitado...

Tocam os Xutos...no meu pequeno MP3

Ouço-os repetidamente "Circo de Feras...", "O homem do leme..."

À falta de outra interlocutora pergunto à minha almofada: "Querida amiga, neste momento
de tormentas e calmarias que vivo, que surpresas achas que me reservará mais o
homem ao leme...aquele que traça os rumos da minha vida?!"
 
Ela responde de imediato:

Almofada: "Que somos nós senão simples passageiros, a bordo de um grande paquete,
lotado de pessoas só com bilhete de ida?"
 
Gosto deste estilo meio enigmático e pessimista de arauto da desgraça que a minha almofada usa para me responder...
 
 
 
Por isso desabafo-lhe todas as minhas angustias:
 
"Reservará para mim esta doença o mesmo destino que as Odes marítrimas
deram aos marinheiros de outros tempos?"
 
 
A resposta surge pronta e fria:
 
Almofada: "Vocês  homens têm uma vontade incontrolável de ir, mas não de voltar para contar, mesmo quando têm pena de ter partido! Gostam de viver o vosso futuro incerto..."
 
 
Tens razão...
 
E eu tenho vontade de ir...como na canção...mas também gostaria de voltar...
 
Fez-se uma pausa na conversa. Relembrei o meu breve passeio pelo convés do Queen Elizabeth, na sua última viagem, passando por Lisboa...

Como me imaginei ali, passeando, descalço, talvez com um livro debaixo do braço, talvez com um gin tónico à minha espera, numa dessas espreguiçadeiras que nos levam mar adentro.
 
 
Arrisco nova pergunta:
 
"Será assim o fim da nossa vida? Desaparecemos na bruma de um convés, de livro debaixo do braço, para a eternidade...
 
A almofada muda de assunto:

Almofada: "Lembras-te do teu amigo João Braz, aquele pescador de Cascais, a quem
carinhosamente chamavas "O meu mestre"...

Foi meu mestre na paixão pelo mar...

As histórias que me contava dos perigos que passou nos mares gelados
do norte, e dos tempos da pesca do bacalhau...

As lágrimas que lhe vi correr quando me descreveu uma tarde de solidão
em que o visitou uma baleia...

O Padre que fazia contrabando de tabaco, que escondia atrás do altar...

Mas sobretudo a tristeza que senti naquele dia quando lhe telefonei, e me atendeu a mulher dizendo-me que tinha morrido de cancro...

Almofada: Levou-o homem do leme...
 
 
Levou-o o homem do leme...


publicado por Novas Crónicas da Sala de Espera às 13:24 | link do post | comentar | ver comentários (7) | favorito

Quinta-feira, 19.03.09

Foi num sábado de manhã que contei tudo à minha filha...

Caminhávamos, como sempre, de mãos dadas no paredão do Estoril...ela comia um gelado, olhando as ondas que se quebravam sobre o pontão...

Depois de muitas hesitações, e de muito pensar no que dizer, e porque é importante nada esconder às crianças, lá desfiz todos os nós na garganta e consegui vencer os meus medos de pai...

"Filha, o pai tem uma bolinha no instestino; lembras-te, quando estudámos o intestino no corpo humano lá para a escola? Bem o pai tem aí uma bolinha, que tem que ser tirada com uma operação, senão o pai pode ficar muito doente!"

Olhou-me, e abraçou-se a mim carinhosamente, com força, fazendo-me aquele sorriso que sempre me faz quando passeamos juntos...

Lembrei-me de um dia de lágrimas em casa do meu avô, era eu pequeno. Tentei seguir esse exemplo que o meu pai me deu um dia...

Revi-o ainda com a espuma da barba na cara, disfarçando as lágrimas, apertando-me contra o seu corpo, enquanto alguém na varanda acenava em direcção ao carro onde a minha avó partiu para o hospital, não me lembro bem, mas acho que se foi para não voltar mais a casa...

Eu choro nos filmes. Ás vezes até a ver desenhos animados. E já me preparava para o pior, quando ela apontou para um pequeno cão que passava, e correu para ele, largando-me da mão. Isso deu-me alguns uns segundos para me recompor.

Segundos depois, quando voltou, correndo para mim, abriu os braços e perguntou-me: pai há quanto tempo sabes isso?

"Há umas semanas, mas andava com medo de te contar. Não te queria assustar filha!" - respondi-lhe eu.

Foi então que, com um ar confiante, me respondeu: "não te preocupes pai: confias nos médicos e nos hospitais, não confias?"

Disse-lhe que sim, e ali ficou arrumado o assunto, sem grandes dramas e com a promessa de lhe arranjar um telefone para ter sempre à mão, para falarmos sempre que quisermos enquanto estiver internado...

No fim do passeio, lá rematei com a minha velha frase: "quem é a filha mais querida do mundo?"

"Sou eu, respondeu-me ela..."



publicado por Novas Crónicas da Sala de Espera às 12:03 | link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito

Quinta-feira, 05.03.09

Esta é a minha companheira das noites de insónia...

Sim, é uma baleia...

E depois?

Dançamos valsas noite fora no atlântico azul...

(entra valsa)

Não imaginam o carinho com que passa a barbatana sobre as minhas costas, amparando-me na ansiedade...

São fáceis os meus dias...

O trabalho aqui na rádio...as idas aos tratamentos ...

Os afectos de quem me rodeia...

Mas as minhas noites são sempre mais longas que as horas...

Não fosse a minha amiga Moby, talvez uma neta da mítica Moby Dick, e me convida para um valsa...

Às vezes aparecem algumas sereias e um peixe lua, que se põem a dançar aos pés da minha cama...

Também me visitam poetas...

 

Pablo Neruda...que me apresentou a Francisco Coloane, a quem chama carinhosamente "Filho da Baleia Branca"... fazendo lembrar Mellville...

O O´Neil... convidando a seguir chernes entre as algas... e digo-vos, com ele é uma aventura...

Sofia, com a sua Menina do Mar pela mão...

Jack London e Hemingway trazendo-me alguns dos seus heróis do mar para companhia...

(pausa)

Mas é com Moby que me entendo bem...

http://www.youtube.com/watch?v=vPPjS4uMwtw

- "Sabes Pedro...a tua solidão pode ser um convite à liberdade e à vida!" - disse-me ela certa noite

- "Sei lá eu!" - respondi-lhe assim em modos de miúdo de escola

- "Acredita, sei o que digo! Não imaginas o que é nadar numa grande corrente e saltar alto, bater a cauda na água e voltar a saltar! Não imaginas...

http://www.youtube.com/watch?v=vPPjS4uMwtw

Linda Moby, tu é que não imaginas a vida que me trazes.

Esse teu exemplo...a foreça com que cruzas os mares, sem nunca te sentires só e nunca se sente só!

A tua lição de coragem que me inspira a lutar também, dançando no mar azul

É aqui que adormeço...nos braços de uma baleia

(Leonard Cohen - take this waltz)

http://www.youtube.com/watch?v=2sZzJAxfD-4

 

Todas as cronicas em: http://radioclube.clix.pt/podcast/index.aspx?id=135

 

 

 



publicado por Novas Crónicas da Sala de Espera às 11:34 | link do post | comentar | ver comentários (2) | favorito

Olhava pela janela uma dessas salas de espera ambulantes...era um carros de tranporte de doentes que estava parado à porta do Hospital de Dia dos Capuchos....

quando me veio à memória este sopro de alma de um grande poeta e uma grande voz da língua inglesa...

TS Eliot...

Tenho penso muito neste aforismo, nesta síntese da vida que este meu herói das palavras, um dia se lembrou de escrever...

Nascer copular e morrer...

Interrogo-me sobre o dia em que decidi eu que na minha vida me senti começar a viver...a ser alguém...

Terá sido num dia em que fui cowboy?...

Teria aí dez anos. Agarrei numa espingarda de plástico, montei num burro que me emprestava a Dona Gerónima, gloriosa habitante da Pucariça, uma aldeia perto da Ericeira onde passava férias, e fiz-me ao caminho com uma pequena manada de vacas até à fonte onde habitualmente bebiam água aos finais de tarde...

Lembro de subir a um pequeno monte e olhar o sol que baixava já no horizonte...e gritei, mais à índio que cowboy, mas gritei...

Ou terá sido alguns anos mais tarde, com o velho mestre da Galeria Diferença, ali ao Rato, em Lisboa, o José Ernesto de Sousa que nos incitava a nós, um punhado de putos, a termos uma espécie de prazer sexual para com a vida...

Viver a nossa vida com uma espécie de líbido para viver com espírito positivo...

Ou será que é agora, que tive que me reinventar como pessoa, e conto como o faço todos os dias nas slas de espera...

Agora que recebo e mails de ouvintes agradecendo-me porque os faço chorar...

Escolho o dia em que fui cowboy e fui Clint Eastwood por escassos segundos, montado num quixotesco jumento branco...

Obrigado Dona Gerónima...

Não ter confiado em mim para pastar as suas vacas teria sido imperdóavel...

Nunca conseguiria sentir o homem que me sinto hoje...

 

http://tr.truveo.com/Metallica-The-Unforgiven/id/288230386614148095

 

Todas as cronicas em: http://radioclube.clix.pt/podcast/index.aspx?id=135

 

 

 



publicado por Novas Crónicas da Sala de Espera às 11:33 | link do post | comentar | favorito

Há dias falava com um amigo sobre estas minhas crónicas...

Falámos longamente sobre isso, a razão porque vale a pena falar e escrever sobre um cancro...

E concordámos: as palavras também servem para nos vingarmos dos momentos maus porque passamos...

Ele, pensado no cancro da mama que atacou a mulher que ama...

Eu num tumor no reto, que ninguém duvidas, só não me mata se não puder...

(pausa)

Vingarmo-nos de cancros com palavras...

Parece daqueles e mails que recebemos em cadeia...

Mas é possível....

Frank Zappa...um dos meus grandes heróis e um grande músico que morreu em meados dos anos noventa...

Numa rara entrevista televisiva explica que andou anos sem saber que tinha cancro de próstata...de que morreu faz alguns anos, apesar de todas as análises que fez nunca o mostrarem...

(http://www.youtube.com/watch?v=UDYzuwG-gOE)

Ainda antes de morrer disso, Franka Zappa, vingou-se do seu cancro com palavras e com muita música que escreveu antes de morrer...

Nani Moretti...

Realizador italiano...

No filme querido diário fala do seu cancro...

Toda a última parte deste filme é dedicada ao calvário que passou até ao seu diagnóstico...

Andou um ano a tratar-se de uma urticária quando sofria de um linfoma...

Com palavras e imagens, Moretti vinga-se do cancro e dos podres do sistema de saúde italiano...

http://www.youtube.com/watch?v=_h13E2d3TJ4

Quase morria este meu herói...

Como eu quase morri...

Não culpo ninguém senão a mim próprio...

É por minha causa, em primeiro lugar, que estou neste momento numa sala a fazer Quimioterapia -- desta vez é que é mesmo a última sessão...

Até aqui chegar andei dois anos a tratar um tumor no recto com pastilhas para a digestão e creme para as hemorróidas...

Resta-me pois vingar-me disso com todas a letras e palavras...

http://www.youtube.com/watch?v=v4lQ9pQombM

 

Todas as cronicas em: http://radioclube.clix.pt/podcast/index.aspx?id=135

 

 



publicado por Novas Crónicas da Sala de Espera às 11:32 | link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito

Estou a fazer quimioterapia e a enfermeira que me trata há várias semanas...

A enfermeira que está a ser minha amiga...que se ri das minhas piadas...

a mulher de coração de ouro que trabalha comigo na esperança de me salvar...

Anuncia-me, contendo as lágrimas, a morte do seu querido membro de quatro patas, que há treze anos fazia parte da sua família...

"E agora os meus filhos?" pergunta-se deseperada...

(pausa)

Olhei-a, estendi-lhe a mão solidário, mas dizendo para mim...

Mais uma grande contradição... mais uma das situações de contraste aqui desta sala: a morte de um cão a causar consternação? Aqui...

Aqui, no meio de uma sala de tratamentos, onde dezena e meia de pessoas lutam pelas suas vidas...

a vida de um Cocker Spaniel parece valer tanto como uma vida humana...

Ou será a própria vida que vale aqui mais que em qualquer lugar?

(pausa)

 

Será uma futilidade chorar a morte de um cão quando é a própria morte que nos quer chamar para junto de si?

Quando um cancro nos ataca?

E no caso da enfermeira, estará proíbido a quem convive diariamente com a morte humana, chorar uma morte não humana, com a mesma tristeza? Com o mesmo pesar?

(pausa)

Já chorei muito a morte de um cão...

Sei bem o valor e o papel que um cão tem na vida de uma família com crianças...

(pausa)

(entra Like a Rolling Stone)

E ninguém imagina o valor que se passa a dar à vida... quando um exame médico nos decreta um possível fim de vida...

Ninguém imagina o que é viver, sem a despreocupação de estar simplesmente vivo...

Viver uma rotina, onde o pensamento diário é não ceder à doença...

(pausa)

Digo-vos: Assim de um dia para o outro...quando a nossa própria vida ganha passa a valer tanto como o ritmo de uma pedra a rolar rua abaixo...

Vemos a simples morte de um cão, como uma pequena vitória do agoiro que paira sobre nós...

Por isso choramos...

 

Todas as cronicas em: http://radioclube.clix.pt/podcast/index.aspx?id=135

 

 

 

 

 



publicado por Novas Crónicas da Sala de Espera às 11:31 | link do post | comentar | favorito

Não sei onde anda o meu amigo esta quarta-feira de cinzas.

 

Se está no Céu, se no Inferno, ou numa ala especial de um qualquer sambódromo de um purgatório exclusivo a génios da Bossa Nova...

No meu coração está concerteza...no meu coração há sempre lugar para pecadores, como calculo que o meu amigo tenha sido...

Um dia em que me junte a si, o que espero que seja daqui a muitos anos, isto apesar de, no momento em que me dirijo a si, estar numa sala de um hospital em Lisboa, a fazer tratamentos de quimioterapia...

Mas escrevo-lhe esta carta, em forma de crónicaradiofónica, espero que o meu amigo ouça o Rádio Clube, para fazermos ambos alguma reflexão sobre a letra que o meu amigo, em boa hora escreveu, e neste momento interpreta, soberanamente num clip que vejo no Youtube...

Venho com o meu computador portátil para os tratamentos...e olhe, é o melhor que faço...

Gosto desse seu chapéu preto, e do casaco branco...

Gosto particularmente da forma carinhosa como os seus dedos tocam as teclas do seu piano...

E concordo consigo quando diz que a "Tristeza não tem fim... Felicidade, sim..."
 

 

 


Essas coincidências entre o fado e samba...
 

Bem, mas infelizmente, também concordo, que a felicidade do pobre parece a grande ilusão do carnaval; bem, mas aí no Brasil - calculo que a sua alma ainda ande pelas ruas da sua Ipanema - apesar de tudo é um pouco diferente de Portugal...

Nós também trabalhamos o ano inteiro, mas não por esse grande momento do sonho que é o Carnaval do Rio...
 

Cá também nos mascaramos de rei, ou pirata, ou jardineira, e nem tudo aqui acaba na quarta-feira...

Veja bem, por cá, no nosso famoso Carnaval de Torres Vedras, até acusaram um pequeno computador de atentado ao pudor...

E temo bem que essas coisas não acabem nesta quarta-feira de cinzas aqui em Portugal...

Não se esteja a rir Tom, por favor...é um país irmão...

Bem, mas voltemos à razão desta carta...estava apenas a rondar o tema com essa coisa da felicidade não ter fim...

O que eu queria mesmo era pedir-lhe para que cantasse para mim as Àguas de Março...o mês que fecha o Verão no Brasil, mas que traz a Primavera a Portugal

É a canção que melhor retrata a esperança de vida que sinto hoje no meu coração... Para mim é quarta-feira de cinzas, para renascer delas...

É verdade, o caminho é longo, mas eu cá sei que me vou curar...

Ouvi-lo ajuda-me a enfrentar aqui a luta contra o meu tumor com bastante mais alegria... Olhe, e sabe?

Ontem lá em casa vimos uma andorinha a voar sobre as nossas cabeças... Era você Tom?... Está a brincar comigo não?

<http://www.youtube.com/watch?v=hShCXWR8uaQ>

 



publicado por Novas Crónicas da Sala de Espera às 11:23 | link do post | comentar | favorito

Segunda-feira, 02.03.09

Ele estava ali sentado à minha frente na sala de espera do laboratório de análises do hospital...

O mais certo era não se lembrar de mim...apesar de não ser estranho se preferisse não falar comigo...

Era o pai de um colega do Liceu de Oeiras...

Pelo olhar, em direcção ao chão, parecia deprimido...

Pela magreza, parecia doente...

A mulher estava-lhe abraçada ao braço que segurava os impressos e autocolantes que entregamos aos técnicos das colheitas de sangue...

Lembro-me de os ver no supermercado ao fim de semana...

Enchendo o carrinho para os almoços de família ...

Lembro-me de os ver na praia...

Passeando de mãos dadas na maré vazia...

Os netos a tropeçarem na areia molhada...

Lembro-me de os ver à porta do Liceu de Oeiras...

Deixando os filhos à hora de irmos para as aulas...

Mas agora ali...

Com olhares de incerteza, fazendo, talvez pelos piores motivos, esquecer os tempos gloriosos de uma vida a dois...que poderá estar a acabar de forma violenta...

Um futuro vedado a momentos daqueles que vemos nas revistas para seniores...

O envelhecer em harmonia, rodeados pelos netos...

O cão Golden Retriever roendo uma velha bola de futebol aos pés numa tarde de leitura...

As duas bicicletas encostadas, à árvore ao fundo, compondo a fotografia da capa...

Porque lhes está vedado esse futuro? A eles e ao meu colega de escola...

Quem decide as ausências dos nossos mais queridos na próxima noite de natal...

(pausa)

Apeteceu-me sair dali...

Correr aquela pequena rua que dá para a capela do hospital, e perguntar à imagem de Santo António...

Estranha forma de vida esta a nossa...

Quem escolheu aquele homem para viver esta vida de amargura?

Quem? Alguém me explica?

(entra Amália a dizer foi Deus)

http://www.youtube.com/watch?v=dKvcm2QV9tA



publicado por Novas Crónicas da Sala de Espera às 13:00 | link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito

Hoje estou entre a Rádioterapia e a terapia da rádio...

Começo a minha crónica de hoje lendo-vos um excerto de um folheto do Centro Clínico Ambulatório do SAMS, e que explica bem o que é isso da radioterapia...

A Rádioterapia é um método de tratamento que utiliza radiações para destruir tumores.

Um tumor é um agregado de células anormais que se dividem descontroladamente. Na radioterapia as radiações utilizadas são raios-x de alta energia ou electrões ( tem um nome pomposo: radiações ionizantes).

(Entra Kraftwerk http://www.youtube.com/watch?v=eaScyfSHc-Y)

Ao ser atingido pelas radiações o mecanismo que permite às células dividir-se fica danificado e o crescimento descontrolado pára.

As radiações são produzidas por um aparelho chamado acelerador linear...

A equipa que se encarrega do meu tratamento é constituída por médicos, físicos, técnicos de radioterapia, enfermeiros e auxiliares de acção médica...

Bem...e deixando a Rádioterpia para trás...

(pausa)

Passemos agora a falar da terapia da rádio...

Sou jornalista de rádio...

Estou doente de cancro...

Nunca me sentiria um bom jornalista se não falasse de tumores tendo eu tumor a crescer dentro de mim...

Vejo ambos os lados do problema...

A única diferença para um trabalho jornalístico normal é que aqui o meu bloco de notas é o meu coração, a minha alma...

Já como doente de cancro...

Falar disso aqui no Rádio Clube liberta-me, ajuda-me a relativizar, mas também penso que liberta muita gente que me ouve...

Digo-o pelas cartas e mensagens que recebo...

Cartas de gente que como a Teresa o Aurélio e eu próprio, não vive sem as emoções da rádio...



publicado por Novas Crónicas da Sala de Espera às 12:58 | link do post | comentar | ver comentários (1) | favorito

Este é um díario, com cónicas que leio todos os dias no Rádio Clube, durante o programa Janela Aberta. São relatos da experiência que vivo na luta contra um tumor no recto. Emite todos os dias depois das 18h15.
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