Caro amigo...
Não sei o seu nome, mas habituei-me a vê-lo na sala de espera da radioterapia...
Sempre bem acompanhado...
Pela família...
Pelos amigos...
Saiba que muito admiro a sua serenidade....
É sempre o mais tranquilo de todos...
Mas de olhar postos no horizonte...
(pausa)
Em que será que pensa? Pergunto-me sempre...
Mas olhe, se pensar o mesmo que eu, então a resposta é simples:
"Que faço eu aqui?"
(pausa)
Não me lembro do seu nome, mas o que importa isso agora...
Será que também tem umas cruzes tatuadas no corpo?
Sim, quem nos ouve não sabe que estas cruzes são uma espécie de mira, para que os raios da radioterapia acertem em cheio no tumor...
É verdade...é uma via sacra que a máquina de raios cónicos da radioterapia percorrem no meu corpo diariamente...
Tiiiii....Tiiiii...tiiiii
Faz ela andando à nossa volta como se brincassse...
Tiiiii....Tiiiii...tiiiii
Como se nos espiasse a alma...
Tiiiii....Tiiiii...tiiiii
para nos queimar o tumor...
(pausa)
Caro amigo,
"Cruzo-me consigo pela última vez!", diz-me...com o seu ar simpático...
Sinto-me feliz sabe?
"Que bom que é cruzar-me consigo pela última vez...Terminam as suas sessões...!"
"Espero não voltar a vê-lo!!!"
"E eu também, não o quero ver mais! Boa sorte!" - responde o meu amigo...
É verdade! Parece antipatia mas não é...
É uma espécie de código que aprendo...
Faz parte do percurso...a contagem até ao último dia dos tratamentos...
E o desejo que os últimos sejam realmente os últimos...
O desejo que tudo se resolva à primeira...
Concordo: o melhor que se pode desejar a quem (como nós) está com cancro, é não o voltar a ver...
Lida no RCP a 6 de Fevereiro de 2009
Todas as cronicas em: http://radioclube.clix.pt/podcast/index.a
Instante Fatal