Quarta-feira, 18 de Fevereiro de 2009

Dei comigo esta manhã a percorrer mentalmente os meus locais preferidos...

Os sítios da minha infância vivida junto ao mar entre Oeiras e Carcavelos...

O mar...sempre o mar...

O mar que em criança eu dizia querer ser, para nunca morrer...

O mar onde me fiz aquele rapaz que ainda sinto que sou.

O mar do rapaz que ainda hoje sonha com a sua Menina do Mar...os polvos, os caranguejos e peixes...

E o conta à sua filha que também junto ao mar aprendeu a andar com sua mãe...e o pai a fotografar...

O mar das saudades dos meus cães, correndo atrás dos enormes bandos de gaivotas na maré vazia...

O mar das sirenes do farois da praia da Torre e do Bugio, à desgarrada com as dos navios que cruzam a foz doTejo..

"Sou daí!" repeti cá para comigo tantas vezes esta manhã quando por ali passei!

E sou dali!

E por ser adali, talvez por isso, pela vivência desse cenário, sinta hoje, mais que nunca, que a vida é como as marés da Barra do Tejo.

Ora enchente, ora vazante...

Ora enchente, ora vazante...

O sol e a lua fazendo turnos, como sempre, sobre o mar...

Ou como as ondas, os dias das nossas vidas a passar... e a felicidade e a tranquilidade ora aproximando-se...ora ainda vindo longe, mas sempre como as vagas a desfazerem-se na areia...

Sou dali...

Como são dali hoje as crianças que lá vejo ao longe apanhando conchas, cascas de mexilhão para levarem para casa...

E tal como quando também já eu em criança ali brincava... espero que elas também sonhem.

Que olhem o mar e também sonhem com baleias a saltar-lhes à frente...

Que sonhem com as suas sereias, como eu sonhei e beijei as minhas, ali naquele mesmo areal...

É o ser ainda esse rapaz que ainda sonha com tudo isso que me dá alento e força para matar este tumor que me quer matar...

São essas mesmas memórias que ainda hoje me sustentam a vida...

É o sentir ainda que os meus anjos e as minhas sereias velam por mim entre as ondas...

É o sentir ainda que gostava de ser o mar para nunca morrer...

Gostava de ser o mar para nunca morrer...

Gostava mesmo...

 

Lida no RCP a 18 de Fevereiro de 2009
Todas as cronicas em: http://radioclube.clix.pt/podcast/index.aspx?id=135

 



publicado por Novas Crónicas da Sala de Espera às 15:26 | link do post | comentar | ver comentários (8) | favorito

Terça-feira, 17 de Fevereiro de 2009

Caros...

Não resisto e tenho de contar aqui esta história...

Tudo se passou há dias na sala de espera do Laboratório de análises do hospital...

Entre as muitas outras coisas que compreende a Quimioterapia , faço análises ao sangue todas as sextas-feiras, para controle...como é óbvio...do andamento da minha cura...

Como na minha ficha estava escrito que as análises eram pedidas pelo serviço de Oncologia do hospital, não estranhei a naturalidade da pergunta que me foi feita pela técnica que me recolhia a amostra de sangue...

"Qual é o seu cancro?" - perguntou-me a médica enquanto enchia um tubinho etiquetado com um código de barras, contendo a colheita que me acabara de fazer...

"É no recto superior!" - respondi-lhe

Porque me pareceu assustada fiz por continuar a conversa...

"Olhe, mas acho que me vou safar! O meu tumor é um T3, N1 - assim se chama o meu tumor, pelo seu tipo de evolução...

Pareceu-me aliviada com a resposta...

Eu é que não fiquei aliviado com o resto da conversa...

Isto porque me disse:

"Está preparado para as dores depois da operação? O meu sogro também teve um cancro no recto e teve dores... muitas dores no pós-operatório!..."

"Bem, devo dizer-lhe que acredito que haja bons analgésicos aqui no hospital!" - respondi-lhe eu...

"Morfina...por exemplo! Olhe o meu sogro levou morfina e passaram-lhe as dores!..."

Por momentos imaginei-me no filme "O Paciente Inglês": Ralph Fiennes, no papel de uma vítima de um desastre de aviação, em finais da segunda guerra, é tratado por Ana, Juliette Binoche, que lhe vai administrando doses de morfina para as dores.

Enquanto isso, já moribundo Ralph Fiennes conta-lhe a história de amor que viveu até ao dia em que se despenhou no deserto...

Mas ao despedir-me da médica...não resisti e disse-lhe...

(entra Jimy Hendrix)

"Morfina, boa ideia...Sempre é mais uma experiência psicadélica! Vou é ter de rever todas as músicas que quero levar para o internamento no meu MP3...

Vou ter de o carregar com muita rockalhada...

Não é verdade Jimy Hendrix?

 

Lida no RCP a 17 de Fevereiro de 2009
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publicado por Novas Crónicas da Sala de Espera às 18:03 | link do post | comentar | favorito

Quarta-feira, 11 de Fevereiro de 2009

 

Soube ontem, por acaso, em conversa com uma médica...

Não são uma nem duas as pessoas que sofrem de cancro e não contam à família...

Não contam aos amigos nem aos colegas de trabalho...

A conversa era a propósito destas minha crónicas...

O impacto em quem me escuta...

O impacto que tem em mim...

Como me ajuda a vencer o cancro falando mal dele...chamando-lhe "Wally"...

Como me ajuda estar aqui...

Como me ajudam os emails de amigos...

Aqueles em que ainda me tratam pelo meu nome de infância...

" Espero que esta tua luta seja gloriosa e que daqui a pouco tudo isto nao seja mais que uma mà recordaçao, para ti e para nos todos que gostamos muito de ti. Senao, ca estaremos também para o que der e vier...

Conta sempre comigo amigo. Boa sorte."

Escreveu-me Isabel lá de Paris...

"Não estás sózinho", escreveu-me Cristina, amiga de longa data...

"Vai ultrapassar isto", insistem a Rósário e a mãe...

"Estou contigo", escreveu-me o Paulo de Manchester...

"Força amigo", um incentivo da Diana e do Zé, em São Paulo

"Ainda um dia escreves um livro..."

Diz-me o Rui, lá no seu escritório em Paço de Arcos...

"A família está cá para ajudar", garante-me o Bruno...

"Estamos aqui!", dizem-me os meus irmãos e a minha mãe...

"Havemos de dar o tal passeio de Cacilheiro", desafia a Nina

"Vamos beber um café", convida o Carlos...

Teresa e Aurélio, amigos, também, que seria de mim sem o vosso apoio?

(pausa)

Como posso eu ficar indiferente perante a solidão de quem se cruza comigo nas salas de espera?

Quem volta para casa para fingir que é só uma dor...

Que comeu qualquer coisa estragada...e vomita por isso mesmo...

Que a dor no peito, é de uma coisa que não é nada...

Se é o caso de alguém que me ouve...peço-lhe que não sofra em silêncio...

A química da amizade e dop amor é a melhor quimioterapia que conheço...

Faz parte do nosso tratamento...

 É a melhor maneira de mandar o cancro dar uma curva ao bilhar grande...

Lida no RCP a 11 de Fevereiro de 2009
Todas as cronicas em: http://radioclube.clix.pt/podcast/index.aspx?id=135

 

 

 

 



publicado por Novas Crónicas da Sala de Espera às 17:36 | link do post | comentar | ver comentários (5) | favorito

Começo a minha crónica de hoje com um excerto do livro "O Velho e Mar", de Ernest Hemingway.

Na solidão do mar, Santiago, um velho pescador, lembra-se de uma história singular sobre um casal de porcos marinhos:

Recordou-se da vez em que apanhara um peixe graúdo, de um casal.

O macho deixa sempre a fêmea comer primeiro, e a fêmea, apanhada no anzol, lutou desesperadamente, tomada de pânico, e depressa ficara exausta; e todo o tempo o macho estivera ao pé dela, cruzando a linha e dando voltas com a femea à superfície".

Andara por tão perto, que o velho temera, que ele cortasse a linha e dando voltas com a cauda afiada como uma foice e quase do mesmo tamanho e forma.

 

Bem...

Recordo aqui esta história porque a mesma me lembra alguns momentos dramáticos que tenho presenciado na sala de tratmentos de Quimioterapia...

Estranho também que a maior parte das minhas colegas sejam mulheres. Aí dez para um ou mais.

Mas concentremo-nos na imagem de um homem. De cabelo todo branco. Entrou ali a medo acenou de longe à mulher que estava ali pela primeira vez.

Quando ela deu por ele a sua cara transformou-se. E a dele também. Do pânico para o amor, ambos, em fracções de segundos...

Terá sido assim nos primeiros momentos de amor!

Da timidez ao amor...

Terá sido assim no dia do casamento...

Do nervoso ao amor...

Terá sido assim, no dia do nascimento do primeiro filho?

Certamente que o é agora na doença como o foi na saúde, imagino...

Não sei como seria possível para mim presenciar estas histórias como ser humano e jornalista, se não estivesse eu também doente...

Se me sinto-me mais rico hoje, que há três semanas, quando ali me estreei nesta sala e a minha companheira, mãe da minha filha, entrou também ali na sala e me fez um sorriso terno...

Mas também me sinto rico pelo que me dá esta grande contradição da vida.

 

 



publicado por Novas Crónicas da Sala de Espera às 15:53 | link do post | comentar | favorito

Sexta-feira, 6 de Fevereiro de 2009

Caro amigo...

Não sei o seu nome, mas habituei-me a vê-lo na sala de espera da radioterapia...

Sempre bem acompanhado...

Pela família...

Pelos amigos...

Saiba que muito admiro a sua serenidade....

É sempre o mais tranquilo de todos...

Mas de olhar postos no horizonte...

(pausa)

Em que será que pensa? Pergunto-me sempre...

Mas olhe, se pensar o mesmo que eu, então a resposta é simples:

"Que faço eu aqui?"

(pausa)

 

Não me lembro do seu nome, mas o que importa isso agora...

Será que também tem umas cruzes tatuadas no corpo?

Sim, quem nos ouve não sabe que estas cruzes são uma espécie de mira, para que os raios da radioterapia acertem em cheio no tumor...

É verdade...é uma via sacra que a máquina de raios cónicos da radioterapia percorrem no meu corpo diariamente...

Tiiiii....Tiiiii...tiiiii

Faz ela andando à nossa volta como se brincassse...

Tiiiii....Tiiiii...tiiiii

Como se nos espiasse a alma...

Tiiiii....Tiiiii...tiiiii

para nos queimar o tumor...

(pausa)

Caro amigo,

"Cruzo-me consigo pela última vez!", diz-me...com o seu ar simpático...

Sinto-me feliz sabe?

"Que bom que é cruzar-me consigo pela última vez...Terminam as suas sessões...!"

"Espero não voltar a vê-lo!!!"

"E eu também, não o quero ver mais! Boa sorte!" - responde o meu amigo...

É verdade! Parece antipatia mas não é...

É uma espécie de código que aprendo...

Faz parte do percurso...a contagem até ao último dia dos tratamentos...

E o desejo que os últimos sejam realmente os últimos...

O desejo que tudo se resolva à primeira...

Concordo: o melhor que se pode desejar a quem (como nós) está com cancro, é não o voltar a ver...

 

Lida no RCP a 6 de Fevereiro de 2009
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publicado por Novas Crónicas da Sala de Espera às 16:43 | link do post | comentar | ver comentários (5) | favorito

Quinta-feira, 5 de Fevereiro de 2009

Acordo hoje para o Dia Mundial de Luta Contra o Cancro...

Diz o Instituto Nacional de Estatística que o Cancro em portugal origina 40 mil novos doentes em Portugal...

Ou seja, num Sporting Porto, jogado, por exemplo, no hiper-activo estádio do Algarve, dez mil pessoas não teriam lugar...

Concluo por isso, que 40 mil portugueses, como eu, receberam em 2008 uma notícia que os atormenta todas as 24 horas do dia...

Mas são muitos mais os portugueses, pais, filhos, irmãos, maridos, mulheres dos doentes, amigos, que esta doença afecta...

O número de mortes anda aí pelos 22 mil ano...dizem os número frios do INE...

Mas fujamos da estatística...

Convido-os a uma viagem até ao terreno, onde a luta contra esta doença se trava em batalhas singulares, todas disputadas corpo a corpo, centímetro a centímetro de corpo sem metástases...

Falemos de Maria, nome que invento para falar de uma mulher bonita que conheci há uma semana no Hospital dos Capuchos...

"O Pedro vai passar a andar à moda, quando lhe cair o cabelo! Os homens agora andam todos de cabelo rapado!..." - disse-me ela, com uma voz doce, mas ao mesmo tempo segura...

Tentava tranquilizar-me, ser solidária, dando-me aquilo que eu sabia que não lhe está a ser dado a ela: afecto...

Maria está desempregada, tem cancro de mama, e o pai do seu filho de 9 anos, anda com telefone no silêncio...

"Ah! A mim, felizmente, não me vai cair o cabelo!" - respondi-lhe...

Sem me aperceber, cometi uma gaffe.

Maria pedia-me para que lamentasse com ela a perda do meu cabelo, como o cabelo que ela se prepara para ver cair. E desata a chorar...

Era o seu primeiro dia na Quimioterapia...

Um primeiro dia que o INE multiplica hoej por 40 mil em cada ano...

Sinto uma urgência grande em correr para o barbeiro e cortar o cabelo até à raíz...

Em homenagem a Maria...

 

Lida no RCP a 4 de Fevereiro de 2009
Todas as cronicas em: http://radioclube.clix.pt/podcast/index.aspx?id=135

 



publicado por Novas Crónicas da Sala de Espera às 13:11 | link do post | comentar | favorito

Quarta-feira, 4 de Fevereiro de 2009

 

São quatro da manhã e eu acordado!

Ouvi aqui neste mesmo programa que o pior que podemos fazer é rebolar na cama.

Mas... e que fazer quando a minha filha, e a mãe dormem o sono das justas?

Não as posso acordar! O pior que poderia acontecer é a minha filha começar a preocupar-se demais comigo! Isso, só por si, torna o silêncio é ainda mais de ouro!

Só encontro uma solução...

Ben Harper...

 Que se lixe, posso estar assim até de manhã, que não me importo....

Estranho...até da insónio tento tirar partido...

 Sinto-me bem, sinto que me estou a curar...a dar pancada ao tumor... esta a "coisa", como um inimigo, que tenho dentro de mim, mas que sinto que estou a vencer, com muita luta, e com a toda a energia que me vem sabe-se lá de onde?

Donde me vem esta energia?

Aliás, donde vem a energia a toda aquela energia a toda aquela gente que estive ontem a observar enquanto fazia Quimioterapia...

O meu vizinho do lado, sem estômago e sem esófago, mas que ainda cá anda... de sorrido nos lábios, desafiando os médicos comendo chocos e entremeada...

A senhora da cruz vermelha, que é voluntária, que nos dá conforto e apoio, e canjas de galinha...

O namorado da míuda que tem um linfoma, e que lhe aparece de quando em vez na sala, cheio de ternura, cheio de amor, erguendo os polegares garantindo que está tudo ok?

Quase que me sinto mal porque o meu caso não ser tão dramático...

Acho até que a minha vida até esteve mais vezes em risco quando era jovem e guiava à noite na estrada marginal entre Oeiras e Cascais...

Ou quando um dia me virei de barco na pequena barra de Cacela a Velha...

Enfim...histórias que vivi para contar...

Como aqui o meu wally...

Viverei para contar...

 

Lida no RCP a 3 de Fevereiro de 2009
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publicado por Novas Crónicas da Sala de Espera às 12:09 | link do post | comentar | favorito

Terça-feira, 3 de Fevereiro de 2009

 

Sigo no metro...em direcção ao Hospital de Santa Maria, onde vou finalmente
combinar as datas dos meus tratamentos de quimio e radio terapia…
Ao meu lado duas estudantes a caminho da Universidade falam do novo single dos U2...

Um pouco mais à frente alguém dorme num dos bancos...

A carruagem segue meio vazia…
Um homem parece rezar...

Imagino que o ouço, especulando que a oração antecipa uma visita a alguém próximo que o aguarda numa cama do hospital...

É então que invento uma espécie de delírio e visão...ouço-o…
Pai Nosso que estais no céu…
Tento-me, mas não o acompanho em pensamento…
Antes… recordo a voz de uma das personagem do filme a "Barreira Invisível" de Terrence Malick…que vi este fim semana…

Na violência de uma batalha, travada corpo a corpo, um soldado pergunta-se:
Esta maldade imensa…
De onde terá vindo?
(pausa)
Imagino o que seria o diálogo entre o soldado americano e o homem no metro que reza…
Pai Nosso que estais no céu…
Ao que lhe responderia o soldado:

Como é que isto se imiscuiu no mundo?
De que semente, de que raíz veio a crescer?
Pai Nosso que estais no céu…
Quem está a fazer isto?
Quem nos está a matar? A roubar-nos a vida e a luz?!
O metro pára…
O homem que rezava segue viagem…Não vai visitar ninguém...Era talvez só eu que precisava que alguém rezasse por mim antes da enorme batalha que vou travar...Identifico-me com o soldado que interroga os céus, tentanto encontrar um sentido para a violência que vive e testemunha... Já no Hospital...detenho-me em frente de uma porta onde está escrito "Radioterapia"… 

 

Lida no RCP a 19 de Janeiro de 2009
Todas as cronicas em: http://radioclube.clix.pt/podcast/index.aspx?id=135

 



publicado por Novas Crónicas da Sala de Espera às 13:05 | link do post | comentar | favorito

Não posso deixar de ironizar sobre esta nossa maneira de sofrermos em Português...

Penso nisto quando passo no Campo Santana e vejo a estátua do Dr. Sousa Martins rodeada de centenas de placas agradecendo graças concedidas...

Obrigado pelas curas e continuação de curas....

Ou nas vezes que passei por Fátima e vi queimar peitos de cera à espera do milagre...

Penso nas superstições dos craques do futebol que arrancam relva antes de entrar em campo...

Penso no célebre sobretudo de José Mourinho...

Nas preces de Cristiano Ronaldo olhando os céus brindando mais um golo à memória de seu pai que morreu faz alguns anos...

Penso num homem que beijou sete medalhas pedindo a sete santos diferentes para que o avião onde íamos ambos não caísse ao levantar...

Penso no encenador de teatro que usa sempre o mesmo casaco nos dias de estreia...

No ritual do toureiro quando entra na arena antes de enfrentar o touro...

Acreditar...

Devemos acreditar...porque acreditar é realmente meia cura...

Mas e o que dizer do saco com um soro especial que neste preciso momento tenho ligado directamente a uma veia aqui na sala da quimioterapia...

Que dizer das mãos do cirugião que dentro de semanas me vai operar e tirar-me este tumor que já encolhe na radioterapia?

Que dizer dos sorrisos doces das técnicas da radioterapia que me tratam diariamente?

Digo na mesma que é preciso acreditar...

As nossas superstições ajudam-nos, e é cruel condenar quem a elas recorre...

Um dia, num lindo final de tarde de pesca, olhei o céu vermelho e pedi...

Por favor, ao menos um peixe que seja... para levar para casa...

Não posso deixar de ironizar sobre esta nossa maneira de sofrermos em Português...

Penso nisto quando passo no Campo Santana e vejo a estátua do Dr. Sousa Martins rodeada de centenas de placas agradecendo graças concedidas...

Obrigado pelas curas e continuação de curas....

Ou nas vezes que passei por Fátima e vi queimar peitos de cera à espera do milagre...

Penso nas superstições dos craques do futebol que arrancam relva antes de entrar em campo...

Penso no célebre sobretudo de José Mourinho...

Nas preces de Cristiano Ronaldo olhando os céus brindando mais um golo à memória de seu pai que morreu faz alguns anos...

Penso num homem que beijou sete medalhas pedindo a sete santos diferentes para que o avião onde íamos ambos não caísse ao levantar...

Penso no encenador de teatro que usa sempre o mesmo casaco nos dias de estreia...

No ritual do toureiro quando entra na arena antes de enfrentar o touro...

Acreditar...

Devemos acreditar...porque acreditar é realmente meia cura...

Mas e o que dizer do saco com um soro especial que neste preciso momento tenho ligado directamente a uma veia aqui na sala da quimioterapia...

Que dizer das mãos do cirugião que dentro de semanas me vai operar e tirar-me este tumor que já encolhe na radioterapia?

Que dizer dos sorrisos doces das técnicas da radioterapia que me tratam diariamente?

Digo na mesma que é preciso acreditar...

As nossas superstições ajudam-nos, e é cruel condenar quem a elas recorre...

Um dia, num lindo final de tarde de pesca, olhei o céu vermelho e pedi...

Por favor, ao menos um peixe que seja... para levar para casa...

Acreditem que a graça me foi concedida...

 

Lida no RCP a 2 de Fevereiro de 2009
Todas as cronicas em: http://radioclube.clix.pt/podcast/index.aspx?id=135

 



publicado por Novas Crónicas da Sala de Espera às 13:01 | link do post | comentar | ver comentários (2) | favorito

Este é um díario, com cónicas que leio todos os dias no Rádio Clube, durante o programa Janela Aberta. São relatos da experiência que vivo na luta contra um tumor no recto. Emite todos os dias depois das 18h15.
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