Ele estava ali sentado à minha frente na sala de espera do laboratório de análises do hospital...
O mais certo era não se lembrar de mim...apesar de não ser estranho se preferisse não falar comigo...
Era o pai de um colega do Liceu de Oeiras...
Pelo olhar, em direcção ao chão, parecia deprimido...
Pela magreza, parecia doente...
A mulher estava-lhe abraçada ao braço que segurava os impressos e autocolantes que entregamos aos técnicos das colheitas de sangue...
Lembro-me de os ver no supermercado ao fim de semana...
Enchendo o carrinho para os almoços de família ...
Lembro-me de os ver na praia...
Passeando de mãos dadas na maré vazia...
Os netos a tropeçarem na areia molhada...
Lembro-me de os ver à porta do Liceu de Oeiras...
Deixando os filhos à hora de irmos para as aulas...
Mas agora ali...
Com olhares de incerteza, fazendo, talvez pelos piores motivos, esquecer os tempos gloriosos de uma vida a dois...que poderá estar a acabar de forma violenta...
Um futuro vedado a momentos daqueles que vemos nas revistas para seniores...
O envelhecer em harmonia, rodeados pelos netos...
O cão Golden Retriever roendo uma velha bola de futebol aos pés numa tarde de leitura...
As duas bicicletas encostadas, à árvore ao fundo, compondo a fotografia da capa...
Porque lhes está vedado esse futuro? A eles e ao meu colega de escola...
Quem decide as ausências dos nossos mais queridos na próxima noite de natal...
(pausa)
Apeteceu-me sair dali...
Correr aquela pequena rua que dá para a capela do hospital, e perguntar à imagem de Santo António...
Estranha forma de vida esta a nossa...
Quem escolheu aquele homem para viver esta vida de amargura?
Quem? Alguém me explica?
(entra Amália a dizer foi Deus)
http://www.youtube.com/watch?v=dKvcm2QV9tA
Instante Fatal