Estou a fazer quimioterapia e a enfermeira que me trata há várias semanas...
A enfermeira que está a ser minha amiga...que se ri das minhas piadas...
a mulher de coração de ouro que trabalha comigo na esperança de me salvar...
Anuncia-me, contendo as lágrimas, a morte do seu querido membro de quatro patas, que há treze anos fazia parte da sua família...
"E agora os meus filhos?" pergunta-se deseperada...
(pausa)
Olhei-a, estendi-lhe a mão solidário, mas dizendo para mim...
Mais uma grande contradição... mais uma das situações de contraste aqui desta sala: a morte de um cão a causar consternação? Aqui...
Aqui, no meio de uma sala de tratamentos, onde dezena e meia de pessoas lutam pelas suas vidas...
a vida de um Cocker Spaniel parece valer tanto como uma vida humana...
Ou será a própria vida que vale aqui mais que em qualquer lugar?
(pausa)
Será uma futilidade chorar a morte de um cão quando é a própria morte que nos quer chamar para junto de si?
Quando um cancro nos ataca?
E no caso da enfermeira, estará proíbido a quem convive diariamente com a morte humana, chorar uma morte não humana, com a mesma tristeza? Com o mesmo pesar?
(pausa)
Já chorei muito a morte de um cão...
Sei bem o valor e o papel que um cão tem na vida de uma família com crianças...
(pausa)
(entra Like a Rolling Stone)
E ninguém imagina o valor que se passa a dar à vida... quando um exame médico nos decreta um possível fim de vida...
Ninguém imagina o que é viver, sem a despreocupação de estar simplesmente vivo...
Viver uma rotina, onde o pensamento diário é não ceder à doença...
(pausa)
Digo-vos: Assim de um dia para o outro...quando a nossa própria vida ganha passa a valer tanto como o ritmo de uma pedra a rolar rua abaixo...
Vemos a simples morte de um cão, como uma pequena vitória do agoiro que paira sobre nós...
Por isso choramos...
Todas as cronicas em: http://radioclube.clix.pt/podcast/index.a
Instante Fatal