Quinta-feira, 19 de Março de 2009

Foi num sábado de manhã que contei tudo à minha filha...

Caminhávamos, como sempre, de mãos dadas no paredão do Estoril...ela comia um gelado, olhando as ondas que se quebravam sobre o pontão...

Depois de muitas hesitações, e de muito pensar no que dizer, e porque é importante nada esconder às crianças, lá desfiz todos os nós na garganta e consegui vencer os meus medos de pai...

"Filha, o pai tem uma bolinha no instestino; lembras-te, quando estudámos o intestino no corpo humano lá para a escola? Bem o pai tem aí uma bolinha, que tem que ser tirada com uma operação, senão o pai pode ficar muito doente!"

Olhou-me, e abraçou-se a mim carinhosamente, com força, fazendo-me aquele sorriso que sempre me faz quando passeamos juntos...

Lembrei-me de um dia de lágrimas em casa do meu avô, era eu pequeno. Tentei seguir esse exemplo que o meu pai me deu um dia...

Revi-o ainda com a espuma da barba na cara, disfarçando as lágrimas, apertando-me contra o seu corpo, enquanto alguém na varanda acenava em direcção ao carro onde a minha avó partiu para o hospital, não me lembro bem, mas acho que se foi para não voltar mais a casa...

Eu choro nos filmes. Ás vezes até a ver desenhos animados. E já me preparava para o pior, quando ela apontou para um pequeno cão que passava, e correu para ele, largando-me da mão. Isso deu-me alguns uns segundos para me recompor.

Segundos depois, quando voltou, correndo para mim, abriu os braços e perguntou-me: pai há quanto tempo sabes isso?

"Há umas semanas, mas andava com medo de te contar. Não te queria assustar filha!" - respondi-lhe eu.

Foi então que, com um ar confiante, me respondeu: "não te preocupes pai: confias nos médicos e nos hospitais, não confias?"

Disse-lhe que sim, e ali ficou arrumado o assunto, sem grandes dramas e com a promessa de lhe arranjar um telefone para ter sempre à mão, para falarmos sempre que quisermos enquanto estiver internado...

No fim do passeio, lá rematei com a minha velha frase: "quem é a filha mais querida do mundo?"

"Sou eu, respondeu-me ela..."



publicado por Novas Crónicas da Sala de Espera às 12:03 | link do post | comentar | favorito

1 comentário:
De Diana Bourbon Ribeiro a 19 de Março de 2009 às 12:39
Pedro, venho aqui regularmente para ter notícias, custa-me estar a incomodar. Tinha a certeza de que a sua filha ía receber bem a notícia e com espírito positivo, as crianças têm essa capacidade.
E quando é que vai ser essa operação?
Receba deste lado do atlântico um abraço muito forte da familia Bourbon


Comentar post

Este é um díario, com cónicas que leio todos os dias no Rádio Clube, durante o programa Janela Aberta. São relatos da experiência que vivo na luta contra um tumor no recto. Emite todos os dias depois das 18h15.
mais sobre mim
Dezembro 2009
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5

6
7
8
9
10
11
12

13
14
15
16
17
18
19

20
21
22
23
24
25
26

27
28
29
30
31


posts recentes

O problema da crescente b...

Tocam os Xutos...no meu p...

Crónica de dia do pai

É aqui que adormeço...nos...

Nascer copular e morrer.....

Vingarmo-nos de cancros c...

"A minha cadela acabou de...

Meu caro Tom Jobim...

O pai de um amigo...

Entre a Rádioterapia e a ...

arquivos

Dezembro 2009

Março 2009

Fevereiro 2009

Janeiro 2009

links
blogs SAPO
subscrever feeds