Foi num sábado de manhã que contei tudo à minha filha...
Caminhávamos, como sempre, de mãos dadas no paredão do Estoril...ela comia um gelado, olhando as ondas que se quebravam sobre o pontão...
Depois de muitas hesitações, e de muito pensar no que dizer, e porque é importante nada esconder às crianças, lá desfiz todos os nós na garganta e consegui vencer os meus medos de pai...
"Filha, o pai tem uma bolinha no instestino; lembras-te, quando estudámos o intestino no corpo humano lá para a escola? Bem o pai tem aí uma bolinha, que tem que ser tirada com uma operação, senão o pai pode ficar muito doente!"
Olhou-me, e abraçou-se a mim carinhosamente, com força, fazendo-me aquele sorriso que sempre me faz quando passeamos juntos...
Lembrei-me de um dia de lágrimas em casa do meu avô, era eu pequeno. Tentei seguir esse exemplo que o meu pai me deu um dia...
Revi-o ainda com a espuma da barba na cara, disfarçando as lágrimas, apertando-me contra o seu corpo, enquanto alguém na varanda acenava em direcção ao carro onde a minha avó partiu para o hospital, não me lembro bem, mas acho que se foi para não voltar mais a casa...
Eu choro nos filmes. Ás vezes até a ver desenhos animados. E já me preparava para o pior, quando ela apontou para um pequeno cão que passava, e correu para ele, largando-me da mão. Isso deu-me alguns uns segundos para me recompor.
Segundos depois, quando voltou, correndo para mim, abriu os braços e perguntou-me: pai há quanto tempo sabes isso?
"Há umas semanas, mas andava com medo de te contar. Não te queria assustar filha!" - respondi-lhe eu.
Foi então que, com um ar confiante, me respondeu: "não te preocupes pai: confias nos médicos e nos hospitais, não confias?"
Disse-lhe que sim, e ali ficou arrumado o assunto, sem grandes dramas e com a promessa de lhe arranjar um telefone para ter sempre à mão, para falarmos sempre que quisermos enquanto estiver internado...
No fim do passeio, lá rematei com a minha velha frase: "quem é a filha mais querida do mundo?"
"Sou eu, respondeu-me ela..."
Instante Fatal